Ritual Matinal
ROCK ON!
Beep! Beep! Beep! – toca o despertador do Lucas.
Toda manhã é o mesmo desafio: abrir os olhos, sair do meu casulo de cobertores aconchegantes e levantar da cama, como se eu tivesse que nascer de novo e de novo, de segunda a sexta, às seis da manhã. Feito um zumbi, vou me arrastando pelo apartamento. Levariam seis passos pra andar do quarto até o banheiro. Porém, ando em uma espécie de zig-zag, quicando entre as paredes, trocando qual olho fica aberto. Quinze passos depois, chego no banheiro. Lavo o rosto, deixando a água quentinha aquecer meus motores. Me enchugo – com esforço, abro os dois olhos. Agora vem o detalhe mais importante: o café.
Gulp! Gulp! Gulp! – ouço na cozinha escura.
Ááááááááááhhh! – aprovei.
I like my coffee in the same way I like my nights: dark, endless, and impossible to sleep through. – conclui sem fazer a mínima idéia do que eu tinha dito.
3… 2.. 1: a cafeína chega no cérebro!
Tiro de revólver! Lançamento de foguete! Explosão nuclear! Erupção vulcânica!
ROCKY BALBOA MODE: ON!
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Visto a roupa de corrida previamente separada. Amarro o tênis. Estralo os dedos, os braços, a costa, as pernas e me estico todo feito um macaco-aranha. Estou prontoooo!
Embalado pela mais empolgante trilha sonora, deixo minha residência e começo minha corrida matinal. De casa até o trabalho, são 20 minutos correndo. É pouco, mas eu sempre chego caindo aos pedaços, todo dolorido. Na última quadra, no auge do sofrimento, passa Mrs. Daisy correndo, toda feliz e sorridente.
Pelas rugas, calculo que ela tenha entre 70 e 80 anos. Enquanto corre, seu cabelo semi-ondulado pula pra cima e pra baixo, feito pompom de animadora de torcida. Suas pernas e braços aparentam ser só pele e osso, e zunem contra o ar, feito bambu se dobrando ao vento. O queixo proeminentemente pontudo e o nariz triangular tornam sua face aerodinâmica. Como se quisesse protestar contra a idade, Mrs. Daisy usa piercing na orelha, camiseta de maratona e óculos Ray-Ban fosforescente combinando com a cor do tênis.
Ela sempre passa correndo, vindo da direção contrária. Quando me vê, abre um largo sorriso – que eu interpreto como satisfação de participar de atividades jovens, mas poderia ser deboche do meu preparo físico não ideal. Na verdade, eu não sei o nome dela, mas como a vejo toda manhã, tomei a liberdade artística de chamá-la de Mrs. Daisy. Já no trabalho, não consigo deixar de pensar no seu sorriso paradoxalmente adolescente; seu semblante determinado me inspira. Mrs. Daisy não sabe, mas é a parte central do meu ritual matinal.
Este esboço feito de qualquer maneira com caneta e marca texto não faz justiça a sua aparência incansável e a motivação que ela me da. Só espero poder alegrá-la da mesma forma. Quem sabe, algum dia, não descubro mais sobre ela?
ROCK OFF!